8 de março de 2017

Análise de Risco: combustão em plantas de tratamento mecânico-biológico e em áreas de armazenagem e disposição final de resíduos

Risk Analysis: combustion in mechanical-biological plants and storage and final disposal areas of waste


RESUMO
Devido às características analíticas dos resíduos sólidos urbanos, as plantas de tratamento de resíduos e áreas de armazenagem e disposição final são espaços suscetíveis às incidências de combustão. Este artigo retrata as motivações e medidas de precaução para mitigar os riscos decorrentes de processos de combustão durante a gestão de resíduos, estes tanto econômicos quanto ambientais e sociais, podendo inclusive ocasionar perdas de vidas no âmbito da operação da planta ou mesmo afetando a comunidade vizinha.
Palavras-chave: Resíduos. Tratamento. Combustão. Gestão. Segurança. Técnica.

ABSTRACT
Due to the analytical characteristics of municipal solid waste, the treatment plants and areas of waste storage and final disposal are spaces susceptible to the incidences of combustion. This article portrays the motivations and precautionary measures to mitigate the risks arising from combustion processes during the waste management, these economic, environmental and social, can even lead to a loss of lives in the context of the plant operation or even affecting the neighboring community.
Keywords: Residues. Treatment. Combustion. Management. Security. Technique.

1 INTRODUÇÃO

Avaliando o histórico da gestão de resíduos identificamos frequentemente ocorrências de combustão espontânea em plantas de tratamento e em áreas de armazenagem e disposição final de resíduos.

Podemos citar como exemplos incêndios em aterros, em áreas de armazenagem de resíduos nas plantas de incineração, em plantas de tratamento mecânico-biológico (TMB) e em áreas de armazenagem de combustíveis derivados de resíduos (CDR).

Em particular, algumas plantas de TMB na Alemanha sofreram combustão espontânea nos últimos anos tais como as plantas em Ennigerloh, Aßlar, Vorketzin e Osnabrück.

2 LOCALIZAÇÃO DA COMBUSTÃO

Os focos de combustão registrados ocorreram predominantemente nas áreas de depósitos em especial nas áreas de descarga e de armazenagem temporária, tendo sido provocados pelos seguintes fatores:
  • Resíduos não tratados, soltos, espalhados na área de descarga;
  • Resíduos soltos ou enfardados, estabilizados e secos em áreas de armazenagem temporária;
  • Frações de resíduos de alto poder calorífico (CDR), soltas ou enfardadas.
Além disso, ocorreram incidências de combustão também durante a etapa de tratamento mecânico dos resíduos.

3 TIPOS DE COMBUSTÃO

Os tipos de combustão podem ser distinguidos basicamente em:
  • Combustão superficial (combustão viva); e,
  • Combustão lenta (imperceptível).
As causas para a ignição nos resíduos são diferentes nestes dois tipos de manifestações, porém, a presença de um dos dois tipos pode causar e desenvolver o outro tipo de combustão. O foco deste artigo estará na combustão tipo lenta ou latente, esta de percepção mais difícil e de ocorrência mais frequente.

3.1 Combustão Superficial

A combustão superficial geralmente é causada por:
  • Ateamento de fogo, ou fumar, na área da planta de TMB;
  • Faíscas provenientes do escapamento de veículos ou da trituração de componentes metálicos, contidos nos resíduos;
  • Armazenamento de resíduos ardentes, por exemplo: cinzas;
  • Destruição de recipientes contendo substâncias inflamáveis;
  • Contato de resíduos com escapamentos quentes de veículos ou de partes de máquinas quentes, por exemplo: rolamentos ou rotores;
  • Reações químicas durante a disposição de resíduos com comportamento de decomposição exotérmico.
  • Também baterias de lítio, que podem causar incêndios quando trituradas.
Nesses processos, temperaturas na faixa de 180 °C a 250 °C podem ser alcançadas ou até excedidas. A partir deste nível, as temperaturas tendem a aumentar mais rapidamente, e temperaturas acima do ponto de ignição de muitas substâncias são atingidas. O ponto de ignição da celulose, contida em quantidades consideráveis, em quase todos os resíduos, em forma de papel e papelão, é aproximadamente 370 °C. A concentração de oxigênio necessária para a ignição está entre 21% e 6%. Concentrações abaixo deste valor resultam apenas em uma queima lenta com baixo nível de temperatura e muitas vezes na carbonização do material (SCHMIDT et al., 2002). O mesmo pode ser dito para diversos componentes voláteis, como agentes propulsores de aerossóis ou solventes. Uma outra causa de combustões superficiais é a queima latente que irrompe em chamas para a superfície dos resíduos e os incendeia. Nestes casos, fala-se da combustão espontânea. O reconhecimento de combustões superficiais é fácil, pois estas sempre são acompanhadas de fumaça intensa e chamas na superfície dos resíduos.

3.2 Combustão Lenta

Ao contrário da combustão superficial, provocada principalmente por vários tipos de fontes de ignição na superfície dos resíduos, as causas de combustão de queima lenta estão na acumulação de calor no interior dos resíduos empilhados, provocada pela dissipação inibida do calor liberado por processos de oxidação.

Na disposição de resíduos biologicamente degradáveis, ocorre primeiro a degradação aeróbia da matéria orgânica, acompanhada por um aumento da temperatura dos gases dentro do material empilhado, para até 85 °C. Frequentemente, essa fase é de curta duração, pois as quantidades de oxigênio disponíveis nos resíduos empilhados não são suficientes, e, portanto, um ambiente anaeróbio se instala, com a respectiva composição dos gases. A degradação aeróbia da matéria orgânica ocorre na presença de oxigênio em quantidades a partir de 4% (PLEß, 1991).

A degradação aeróbia resulta na formação de um material similar ao húmus, que apresenta grande superfície interna. Substâncias gasosas e em forma de vapor podem ser absorvidas nessas superfícies interiores, acompanhado pela liberação de energia. Essa energia liberada em forma térmica pode causar o aumento da temperatura dentro dos resíduos, por exemplo dentro de um aterro, para temperaturas de até 200 °C (PLEß, 1991). Ao chegar a essa faixa de temperatura, reações de pirólise e de oxidação rápida – na presença de quantidades suficientes de oxigênio – podem ocorrer. Sobretudo as últimas podem resultar em temperaturas na faixa dos pontos de ignição dos resíduos.

Este tipo de desenvolvimento de combustão lenta necessita de quantidades de oxigênio suficientes, contidas nos resíduos. Em incêndios de combustão lenta não descobertos, o espalhamento da combustão pelos resíduos empilhados é promovido pela pequena demanda de oxigênio e as propriedades de isolamento térmico dos resíduos, especialmente na sua forma compactada, enquanto há resíduos combustíveis. O fogo sempre cresce na direção da entrada de oxigênio.

Incêndios do tipo combustão lenta podem também ser causados por substâncias que apresentam tendências de combustão espontânea. São essas todas as substâncias químicas que, quando em contato com oxigênio, água ou outros reagentes apropriados, apesentam reações exotérmicas tão fortes que provocam a combustão espontânea. Estas substâncias devem possuir uma superfície necessariamente grande para resultar em uma descarga de energia térmica suficiente para promover a combustão.

A presença de um incêndio de combustão lenta é mais difícil de descobrir do que um incêndio do tipo combustão superficial. Enquanto o incêndio de combustão lenta não irrompeu para a superfície dos resíduos empilhados respectivamente, do aterro, apenas a visível emissão de gases e vapor e odores de queima podem indicar a presença de um incêndio deste tipo.

Existe a possibilidade de alerta deste tipo de incêndio, por meio de sondas de medição adequadas, em depósitos temporários, ou pela medição da temperatura superficial, por exemplo por meio de câmeras térmicas.

4 GRUPOS DE SUBSTÂNCIAS DE RELEVANTE POTENCIAL DE COMBUSTÃO

O agrupamento dos tipos de resíduos segundo sua reação ao fogo ocorre de acordo com a classificação de grupos de substâncias sugerida por Pleß (1993), para aterros. Essa classificação prevê os seguintes grupos de resíduos, que podem ser diferenciados um do outro com base no seu comportamento físico-químico:
  • Substâncias não fundentes, de superfícies grandes: Os resíduos deste grupo apresentam um pré-requisito decisivo para os processos de combustão espontânea no aterro, destacando-se por uma grande superfície específica e uma má condução térmica. A superfície promove a capacidade de absorção de oxigênio, resultando na liberação de calor devido aos processos exotérmicos. Entretanto, a má condução térmica inibe parcial ou completamente a liberação deste calor. Como consequência, o aquecimento dos resíduos aumenta, com aumento da velocidade das reações químicas e físicas. Deste grupo, as seguintes substâncias são de maior importância para o desenvolvimento de um incêndio:
  • Algodão, algodão de poliéster, estopa de algodão;
  • Tecido de papel, guardanapos de papel, papel toalha;
  • Papel de jornal, papelão fino;
  • Maravalha; e,
  • Têxteis.
  • Substâncias fundentes e fundentes sob decomposição: A este grupo pertencem também os plásticos, cujo ponto de ignição se encontra aproximadamente entre 100 °C a 200 °C acima do ponto de ignição da celulose. Estas substâncias não são relevantes para o desenvolvimento de incêndios de combustão lenta, porém podem ter efeitos negativos para a composição dos produtos da combustão.
  • Substâncias sujeitas à combustão espontânea: Estas substâncias compreendem todos os compostos químicos que, em contato com oxigênio e, ou água, emitem substâncias inflamáveis ou que podem tornar-se espontaneamente inflamáveis. Este grupo compreende as seguintes substâncias:
  • Óleos de cozinha;
  • Tintas a óleo;
  • Misturas de óleos;
  • Carvão e produtos similares.
Atenção especial deve ser dada aos óleos, pois estes têm a propriedade de reagir diretamente com o oxigênio do ar, sob emissão de calor. Para atingir as temperaturas necessárias para a combustão espontânea, uma grande superfície específica é necessária, como constituído pelo grupo de substâncias não fundentes, com suas grandes superfícies. Frequentemente, os óleos são jogados fora junto com os resíduos sólidos domésticos e comerciais.
  • Substâncias que podem contribuir para a combustão de outros materiais: Resíduos que pertencem a este grupo, podem, por reação química, liberar oxigênio. Este oxigênio então é disponível como meio de oxidação resultando na aceleração das reações exotérmicas. São estas substâncias os peróxidos de detergentes e compostos contendo cloro ou nitrato, encontrados em produtos pirotécnicos e herbicidas.
  • Gás: nos resíduos que permanecem em depósitos temporários por um tempo prolongado, podem ocorrer processos anaeróbios, resultando em liberação de concentrações elevadas de metano. Porém, o ponto de ignição do metano é de, aproximadamente, 600 °C. (O ponto de ignição corresponde àquela temperatura necessária de aquecimento de um material ou uma superfície de contato, para que ocorra, na presença de oxigênio, a combustão do metano sem faísca de ignição, apenas promovido pelo calor).
Portanto, a ignição do metano geralmente ocorre apenas quando há geração de faíscas (por exemplo: no tratamento mecânico, em instalações elétricas sem proteção contra explosões), ou em superfícies muito quentes, como em partes de máquinas. A presença do metano pode promover a rápida propagação de um incêndio já desenvolvido.

5 RECOMENDAÇÕES PARA MITIGAÇÃO DO POTENCIAL DE COMBUSTÃO

O risco de incêndios pode ser reduzido por uma variedade de medidas relacionadas com a construção, tecnologia das instalações e operação. Estas medidas são geralmente descritas em projetos de proteção contra incêndios, elaborados no decorrer dos processos de licenciamento das plantas, por peritos. Além disso, frequentemente as exigências mais abrangentes das seguradoras devem ser obedecidas. Na construção de depósitos de resíduos, as exigências técnicas relevantes da proteção contra incêndios, determinadas pelos regulamentos devem ser cumpridas.

5.1 Proteção contra Combustão a Partir de Medidas Técnicas de Construção
  • Divisão do espaço físico por paredes corta-fogo e muros, com exigências adicionais referentes aos materiais de construção, realização e penetração, por exemplo, classe de resistência 90 A, bem como, instalação de barreiras corta-fogos para dutos de cabos, tubulações e outros;
  • Proteção contra raios e surtos de tensão para todas as áreas da planta;
  • Exigências mais abrangentes para todos os elementos de construção, referentes aos materiais e tipo de construção, por exemplo, construção de paredes e tetos baseados em vigas, bem como aberturas na fachada e nos tetos, tais como, venezianas industriais e lanternins;
  • Instalação de sistemas de captação e remoção de fumaça e calor;
  • Consideração de situações de combate ao incêndio no planejamento da planta, como acessos para os caminhões dos bombeiros, espaços livres para a colocação dos equipamentos, acessos, tubos de subida, hidrantes montados nas paredes, chuveiros automáticos (sprinklers), abastecimento com água ou agentes de extintores; retenção da água de extinção contaminada;
  • Rotas de emergência e resgate, devidamente demarcadas e iluminadas.
5.2 Proteção contra Combustão a Partir de Medidas Técnicas Diversas
  • Sistema de alarme de incêndio, com os respectivos canais de transmissão em coordenação com o corpo de bombeiros, regulamentos relevantes de proteção contra incêndios com planos de fuga e de resgate;
  • Instalação de um sistema de detecção de incêndio de alta confiabilidade e adequação comprovada para o ambiente de uma planta de TMB (não sensível contra poeira, umidade, vapores etc., em casos específicos execução com sensores duplos);
  • Exigências às tecnologias de máquinas e de transporte, como o controle e proteção de acionamentos e rolamentos contra sobrecarga ou torção e a proteção contra surtos de potencial;
  • Exigências à colocação da instalação e operação dos equipamentos elétricos, cargas de incêndio nos dutos de cabos, desligamento no término do expediente;
  • Minimização de superfícies de deposição e acúmulo de poeira (combustível), por colocação vertical dos dutos de cabos, manter a boa acessibilidade de todas as áreas para a limpeza, prevenção de levantamentos de poeira, utilização de tecnologia de limpeza adequada (sistemas de aspersão de pó etc.);
  • Apartação ou encapsulamento de painéis de controle e centrais elétricas (transformadores, instalações de tensão média e baixa etc.);
  • Instalação de extintores específicos (extintores de faíscas, de incêndios, de gás inerte) para sistemas de aspersão de pó, esteiras ou painéis de controle.
5.3 Proteção Contra Combustão a Partir de Medidas Organizacionais
  • Construção e colocação em prática de regulamentos de proteção contra incêndios, planos de alarme e combate ao incêndio;
  • Detectores de fumaça e fogo nos elementos e instalações com maior risco de incêndio;
  • Fechamento das barreiras corta-fogo, fora dos horários de expediente;
  • Manutenção da limpeza da planta, com vistas a poeira e outras substâncias combustíveis;
  • Controles contínuos das instalações por um perito de proteção contra incêndios;
  • Controles contínuos das medidas e sistemas de segurança, pelo próprio pessoal;
  • Cumprimento das exigências referentes a depósitos temporários de resíduos, como o volume, altura, acessos livres em caso de incêndio;
  • Esvaziar os depósitos no fim do expediente, ou medidas de controle operacional específicos;
  • Sensibilização e treinamento contínuo dos funcionários, para o reconhecimento de incêndios em desenvolvimento, treinamentos práticos de proteção contra incêndios;
  • Instrução e sensibilização de terceiros, colocação em prática de medidas de controle e de segurança nos trabalhos que envolvem fogo e calor (por exemplo, na soldagem);
  • Proibição de fumar em toda a área da planta;
  • Regulamentos de acesso claros para toda a área da planta, com o respectivo controle.
6 CONCLUSÕES

As plantas de TMB apresentam um alto risco de incêndios. As mais atingidas são as áreas de descarga e as de armazenagem, mas também a área de tratamento mecânico. Os incêndios podem ter seu início em resíduos soltos, empilhados, mas também em resíduos enfardados. As frações de alto poder calorífico apresentam um risco especialmente alto de combustão.

O risco de combustão pode ser reduzido por uma gama de medidas baseadas na construção, na tecnologia de instalação e na operação e organização da planta. Geralmente, estas medidas são determinadas por meio de projetos de proteção contra incêndios elaborados por peritos, no decorrer do processo de licenciamento das plantas. Além disso, as exigências mais abrangentes das seguradoras devem ser obedecidas.

REFERÊNCIAS

PLEß, Georg. Glimmbrand in einer geschlossenen Hausmülldeponie. Brandschutz/Deutsche Feuerwehr Zeitung, h. 10, p. 507-512, 1991.
PLEß, Georg. Bewertung von Glimmbränden auf der Mülldeponie Wolfsburg-Fallersleben. Zwischenbericht, Institutsbericht Nr. 305, Institut der Feuerwehr Sachsen-Anhalt, Heyrothsberge 1993.
SCHMIDT, M.; MALOW, M.; LOHRER, C.; KRAUSE, U. Selbstentzündung von Stäuben und Schüttgütern bei vermindertem Sauerstoffgehalt. Chemie IngenieurTechnik, v. 74, n. 12, Wiley-VCH, Weinheim, p. 1735-1737. 2002. doi: 10.1002/cite.200290016. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/cite.200290016/abstract >. Acesso em: 12 jan. 2015.


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Como citar [ABNT NBR 6023:2002]:

FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane. Análise de Risco: combustão em plantas de tratamento mecânico-biológico e em áreas de armazenagem e disposição final de resíduos. In: FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo; BAGNATI, Marius. (Coords.). Gestão sustentável de resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig: Technische Universität Braunschweig, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BE246I>. Acesso em: .
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