15 de fevereiro de 2017

A Realidade dos Municípios Brasileiros Frente à Nova Política Nacional de Resíduos Sólidos


Depois de um longo percurso burocrático de cerca de quase vinte anos, finalmente torna-se um marco legal a Lei nº 12.305/2010 também conhecida como a Política Nacional de Resíduos Sólidos, com princípios e marcos importantes para fazer com que tenhamos no Brasil uma disposição correta dos resíduos gerados no País bem como trazendo todos os atores públicos, Governo Federal, Governos Estaduais e Municipais para estarem ao lado de Fabricantes, Comerciantes e Importadores, mas sobretudo com a presença do cidadão consumidor; que passam todos a ter um papel fundamental para a melhora do meio ambiente.

Uma Lei que traz consigo, conceitos inovadores até então para uma realidade brasileira, onde o conceito de Resíduo em substituição ao conceito de Lixo, pode até parecer uma simples substituição de palavras, mas no fundo significa inverter valores e o que antes era encarado apenas como o fim do processo produtivo, comercial e/ou de consumo se torna hoje o início de uma nova cadeia produtiva; e, se não uma nova cadeia, no mínimo teremos um novo produto ou mesmo matéria-prima para novos produtos.

Desta forma, o que antes não tinha valor comercial, industrial e muitas vezes social, com a nova Lei os atores envolvidos com o nascimento de um produto, estarão envolvidos e comprometidos com o destino e disposição final desse produto, portanto não serão somente os Municípios que terão a responsabilidade de destinar e investir nesse cuidado com os resíduos, agora os atores passarão a ter esta responsabilidade de forma compartilhada e principalmente com investimentos para o tratamento e aproveitamento em todas as formas possíveis dos resíduos, onde somente a parte que não tiver condições técnicas ou financeiras poderão ser depositadas em aterros sanitários, após terem passado por tratamentos que diminuam o impacto ambiental.

Mas diante de uma complexidade legal – ou seja, não faltam no Brasil boas leis, o que falta no Brasil é o cumprimento dessas leis –, temos ainda, infelizmente, por parte, ainda que pequena, de uma parcela desses atores que pensam que a Lei nº 12.305/2010 será uma lei que “não vai pegar”, e posso garantir que estas pessoas estão enganadas, pois a nova Política daqui algum tempo extrapolará os limites legais e terá efeitos culturais em nosso país. Pois, assim que as pessoas ao consumir, começarem a se preocupar se aquele produto terá uma destinação correta, se o seu fabricante tem compromisso de ajudar a tratar esse resíduo, nesse momento começa uma força e um movimento social onde todos os atores não mais se preocuparão com a Lei e sim com a consequência econômica que isso pode trazer para todos. Empresas não vão querer perder clientes; governos não vão querer perder receitas tributárias; o comércio não irá querer perder vendas e os consumidores serão os maiores fiscais dessa Política, naturalmente começará um esforço mútuo para se encontrar soluções para este problema.

Contudo, hoje no Brasil os municípios – com raras exceções – não estão preparados, pessoal, econômica e tecnicamente para encarar esse desafio! Principalmente os municípios pequenos – aqueles que têm até cem mil habitantes que representam cerca de oitenta por cento dos municípios brasileiros – que em boa parte sobrevivem da ajuda e transferência de recursos do Governo Federal e Estadual através do Fundo de Participação dos Municípios, além dos recursos obrigatórios para a Saúde e Educação.

Se não tivermos um pacto Nacional para resolver de forma conjunta esse problema, somente os municípios arcarão com os custos e investimentos, aí sim... podemos ter a prevalência daqueles que pensam que a Lei não terá efeito. Esses pequenos municípios muitas vezes não têm sequer recursos humanos para elaborar projetos e planos de manejo para terem acessos a linhas de créditos e financiamentos ou, até mesmo, para a transferência de recursos através dos Governos Federal e Estadual.

A Política Nacional deve prioritariamente fortalecer os Municípios brasileiros e não permitir que os municípios implantem políticas de acordo com sua capacidade financeira. Não podemos ter a exemplo do que aconteceu com a questão tributária em nosso país, onde como forma de atrair indústrias ocorreu uma verdadeira guerra fiscal. Não podemos ter uma guerra de resíduos, onde os municípios que implantem o que estabelece a Política Nacional sejam alvos da ‘fuga’ de indústrias, que não queiram cumprir a legislação, ou que simplesmente essas indústrias se transfiram para um Município que tenha uma fiscalização mais branda ou que até mesmo feche os olhos para esse desafio; ainda que com a justificativa de que o Município não tem recursos humanos e/ou financeiros para fiscalizar e tratar seus resíduos.

A nova Política firmou alternativas e prazos para que as indústrias, dentro de seus respectivos setores, apresentem propostas ao Governo Federal para que possamos ter os chamados acordos setoriais para implantação da Logística Reversa, através do comitê ‘Orientador para a Implantação da Logística Reversa’, instituído em 2011, tendo sido também criados Grupos de Trabalhos através do ‘Comitê Interministerial para Acompanhamento da Política Nacional’[1], que deverá pensar entre outras coisas sobre um sistema nacional para monitorar e acompanhar como um grande banco de dados nacional, e ainda promover a recuperação energética dos resíduos, fomentar linhas de financiamento e crédito tributário para produtos recicláveis e reutilizáveis, determinar práticas de gerenciamento de resíduos perigosos e descontaminação de áreas, e ainda instituir a educação ambiental.

[1] Coordenado pelo Ministério do Meio Ambiente e composto pelos:
• Ministério das Cidades;
• Ministério da Fazenda;
• Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
• Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
• Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior da Agricultura;
• Ministério da Saúde;
• Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento;
• Ministério da Ciência e Tecnologia; além da
• Casa Civil e da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República.


Importante nesse momento é que cada um dos atores envolvidos no assunto, tenha não apenas condição de encarar a nova política de forma a implementá-la em sua plenitude, mas, principalmente, garantindo o apoio integral aos municípios para que tenham condições de fiscalizar, estruturar seus quadros de pessoal treinado, recursos financeiros, elaboração de seus planos municipais como ferramentas de amparo às políticas municipais.

Sobretudo, para que seja possível executar, com regras e pactos sociais com todos os envolvidos a nível municipal – seus cidadãos, suas indústrias, seus comércios –, especialmente, que essa política saia do texto frio de uma lei e passe a fazer parte da cultura e do hábito de cada cidadão brasileiro, seja num pequeno município ou em uma grande metrópole. O importante é iniciarmos uma transformação em nossas relações de consumo e, principalmente, em nosso comportamento como seres que estamos usando por empréstimo esse planeta de direito das gerações futuras.

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Como citar [ABNT NBR 6023:2002]:

LEITE, Aguinaldo. A Realidade dos Municípios Brasileiros Frente à Nova Política Nacional de Resíduos Sólidos. In: FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo; BAGNATI, Marius. (Coords.). Gestão sustentável de resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig: Technische Universität Braunschweig, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BE246I>. Acesso em: .
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