3 de março de 2017

Gestão Internacional de Resíduos: desafios, medidas e possibilidades

International Waste Management: measures and chances


RESUMO
Ao mesmo tempo em que as medidas tecnológicas e organizacionais para criar uma adequada gestão dos resíduos são bem conhecidas e aplicadas em vários países, ainda a maioria dos resíduos gerados no mundo é apenas aterrada. Muitos países sofrem o impacto nos solos, em suas águas e no ar decorrente da disposição inadequada dos resíduos. Os encargos econômicos e sociais estão ligados a esse problema. A questão-chave para enfrentar estes desafios é a melhoria dos padrões por meio de melhores procedimentos de licenciamento, ações de sensibilização e financiamento sustentável. Enquanto os países permitirem os baixos padrões de reciclagem e aterramento, afastam-se as oportunidades oriundas de um moderno gerenciamento de resíduos. O exemplo da Alemanha mostra ser possível desenvolver uma próspera economia de resíduos, quando a legislação define as exigências e as penalidades e a administração executiva implementa e monitora as atividades econômicas. Taxas de reciclagem até 70% e a proibição da disposição em aterro de resíduos biodegradáveis ou resíduos recicláveis garantem a minimização dos impactos ao meio ambiente, maximizam a economia de recursos e contribuem positivamente para a proteção do clima. A abordagem correta refere-se também à inclusão constante dos setores informais, que na maioria dos países representam uma parcela importante para a promoção da reciclagem. Ações de sensibilização, legislativas e medidas de controle, financiamento sustentável e incentivos de elevados padrões técnicos precisam da visão e da vontade dos políticos tomadores de decisão. Há uma grande quantidade de benefícios para a colheita, a semente está disponível.
Palavras-chave: Gestão. Economia verde. Resíduos. Reciclagem. Normas.

ABSTRACT
While the technological and organisational measures to establish a proper waste management are well known and in practical use in several states already, still most of the generated waste worldwide is just dumped. Many countries suffer from damages to the soil, waters and air from wrong waste disposal. Economic and social burdens are connected to this problem. The key issue to tackle the challenges is the improvement of standards through better permitting procedures, awareness raising and sustainable financing. As long as states allow the lowest standards to dominate the recycling and disposal market, they will fail to take chance of the benefits of a modern waste management. The German example shows, that a prosperous economic sector is possible, if the legislation sets the right frame with duties and requirements and the executive administration implements and monitors the economic activities. Recycling rates up to 70 percent and a ban of landfilling bio-degradable or recyclable waste guarantee a minimisation of impacts to the environment, a maximum of resource savings, and a positive contribution to climate protection. The right approach is also referring to the active inclusion of the informal sectors, which in most countries are an important part of the recycling efforts and results. Awareness raising, legislative and control measures, sustainable financing and incentives for high technical standards need the insight and willingness of the political decision-makers. There is a lot of benefit to harvest – the seed is available.
Keywords: Management. Green Economy. Residues. Recycling. Norms.

1 INTRODUÇÃO


Como a gestão de resíduos deve ser para ser considerada moderna, ambientalmente saudável e correta? Quais são os objetivos e o que é possível e viável? Em um mundo globalizado como o de hoje, que sofre uma rápida alteração, caracterizada pela mudança climática, escassez de recursos, pobreza e onde há um contínuo dano à saúde humana e ao meio ambiente, a gestão de resíduos tem um papel crucial no combate aos danos ambientais, sociais e problemas econômicos. O desafio é o de despertar a vontade e a capacidade política para impor e aplicar as ferramentas e os instrumentos necessários para promover tal sistema.

A gestão adequada dos resíduos é tecnicamente simples: se dá pela segregação de diferentes frações de resíduos diretamente na fonte, coleta seletiva e tratamento, incluindo o reuso, reciclagem e outras operações para recuperação, e, finalmente, a disposição de matérias não recuperáveis em aterros sanitários. Isto pode ser feito – dependendo do nível do desenvolvimento econômico, os custos de trabalho e os investimentos acessíveis – de uma forma simples, usando o setor informal de catadores ou de forma mais avançada, incluindo tecnologias automatizadas. Em muitos casos, a segregação e a gestão de separação das frações seca e úmida, já permitem taxas bastante elevadas de reciclagem de papel, plásticos, metais, madeiras, eletrônicos e agregados. Este fato também se reflete na valorização dos resíduos orgânicos, que é encontrado na maioria dos países em proporção superior a 60%. O uso de lodo de esgoto “limpo” e a realização da compostagem da fração biodegradável dos resíduos fazem sentido na maior parte das regiões, devido ao seu ambiente árido e a necessidade de solo que seja cultivável.

2 ECONOMIA VERDE NA GESTÃO DE RESÍDUOS


O exemplo da Economia Circular Alemã, com uma taxa de reciclagem de 70% para todos os tipos de resíduos e de 65% para os resíduos urbanos, demonstra que a utilização dos resíduos pode resultar na proteção de recursos naturais: 14% dos principais recursos necessários à produção alemã, são substituídos por materiais secundários produzidos a partir de resíduos. Como resultado da proibição, em 2005, da disposição de resíduos biodegradáveis em aterros, juntamente com a exigência de pré-tratamento dos resíduos por incineração com a recuperação de energia, a gestão de resíduos contribuiu para que as metas alemãs firmadas no Protocolo de Quioto fossem atingidas em 20%. Finalmente, o volume de negócios anual no setor de gestão de resíduos da Alemanha é de aproximadamente de 40 bilhões de euros, empregando 200 mil pessoas – uma situação de exclusivo sucesso. Se uma Economia Verde significa simultaneamente benefícios ecológicos e econômicos em todo um setor, então, a gestão de resíduos é capaz de demonstrar como estes podem ser alcançados.

O número de países com padrões elevados de gestão é relativamente baixo. Geralmente, o nível de normas ou regulamentos do país parece correlacionar-se com os seus graus de consciência ambiental, padrões de vida, sistemas de tarifação e desafios ambientais. Mas, frequentemente, os requisitos legais não acompanham sua aplicação na prática, devido a diversos obstáculos, como a ausência de um bom governo e a falta de capacidade de aplicação em muitos países. Por outro lado, países com baixos salários, podem atingir taxas de reciclagem relativamente altas por meio do setor informal, através dos “catadores” de resíduos. Consequentemente, especialmente em países em desenvolvimento e emergentes, a inclusão do setor formal no sistema de gestão de resíduos é de alta importância – para o meio ambiente, bem como por razões sociais e políticas.

A economia verde, neste aspecto, possui três elementos: o estabelecimento de normas legais; aplicação – especialmente a proibição de atividades de baixo padrão ambiental; e, a organização e financiamento da infraestrutura necessária. Você não consegue um sem o outro!

Uma atenção especial também deve ser direcionada aos princípios de poluidor-pagador, a fim de se definir os incentivos necessários em relação às práticas realizadas. Mas: se a infraestrutura e as atividades de gestão de resíduos são movidos unicamente por restrições orçamentárias, com uma maior prioridade política direcionada à outras tarefas, tais como segurança, saúde e abastecimento de água versus resíduos, a obtenção de sucesso é pouco provável. Todos os três elementos devem se unir para que a gestão de resíduos possa prosperar dentro de uma economia verde.

3 AJUDANDO AS PESSOAS A AJUDAREM A SI MESMAS


O que pode ser feito para que se possa ajudar os países a direcionar seus esforços para melhorar a situação relacionada aos resíduos e para estabelecer uma estrutura de gestão de resíduos adequada? Em geral, existem três ferramentas:
(a) Configuração padrão em nível internacional;
(b) Assistência bilateral e multilateral;
(c) Pressão unilateral.

Enquanto que (a) e (b) exigem o consentimento sobre as medidas selecionadas, a imposição de (c) pode, em casos raros, ser usado para mudar os padrões de produção em regiões estrangeiras. Um exemplo é a Portaria da UE 2002/95/EC sobre a “Restrição de (do uso de certas) substâncias perigosas”, a qual mostrou os seus efeitos principalmente nos países asiáticos produtores de equipamentos eletrônicos. A ferramenta mais importante usada atualmente para a assistência é a cooperação bilateral, em forma de assistência técnica e financeira – como os projetos em conjunto com a UE. Um grande número de estudos-piloto, projetos, recomendações etc. têm sido realizados com maior ou menor sucesso em um caráter exemplar.

Finalmente, a fim de que os instrumentos e ferramentas voltadas para a promoção adequada de gestão dos resíduos seja sustentável e de sucesso, as necessidades ambientais precisam ser traduzidas para a demanda econômica. O interesse duradouro dos profissionais envolvidos só será garantido desde que haja um benefício econômico para eles próprios. Mas essa simples correlação possui algumas difíceis implicações: enquanto um baixo padrão de “tecnologias”, instalações ou padrões comportamentais estiverem definindo o valor de referência de um negócio, e consumidores/geradores de resíduos estiverem se beneficiando com esses baixos padrões, é impossível confiar e investir com sucesso em padrões mais elevados. É de responsabilidade dos países industrializados e do seu próprio interesse, ajudar os países em desenvolvimento e países com economias em transição a melhorarem os seus padrões ambientais, pois além de fatores ecológicos e sociais, os custos e a queda de preços em um mundo globalizado pode desestabilizar a base dos mercados nos países desenvolvidos.

4 A IMPORTANTE FUNÇÃO DAS NORMAS


Por que os baixos padrões ainda conduzem os mercados em muitos países? Em primeiro lugar, apenas um número limitado de países têm o conhecimento sobre os padrões existentes ou a sobre a utilização das MTD (melhores técnicas disponíveis) para a licenciamento ambiental e monitoramento das instalações. Mas, mais importante, a falta de instrumentos de regulamentação necessária e de sua aplicação refletem a falta de acessibilidade, consciência e confiança no sistema administrativo, o que pode ser atribuído a obstáculos culturais, corrupção e diferentes prioridades políticas. Consequentemente, contatos bilaterais e multilaterais são usados para aumentar a conscientização, para alavancar o setor privado, para a assistência no estabelecimento de programas e legislação e reforçar as capacidades e a aplicação.

A definição de diferentes tipos de padrões conforme cada tipo de resíduo, normas e diretrizes são promulgadas em nível internacional através de acordos ambientais multilaterais, incluindo a Convenção Basel da Organização das Nações Unidas (ONU) da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD) e – para países Europeus – a União Europeia. A 10ª Conferência das Partes (COP) da Convenção Basel, em outubro de 2011, abordou vários dos desafios supramencionados. Em particular, foi decidido, sob a BC-10/3, o estabelecimento de um grupo de peritos técnicos para elaborar normas globais sobre a Gestão Ambientalmente Correta (GAC) de Resíduos (ONU-UNEP, 2011).

As três reuniões realizadas pelo grupo de especialistas oriundos de cinco regiões da ONU, aconteceu desde 2012 no Japão, em Buenos Aires/Argentina e Jacarta/Indonésia onde foram elaborados além dos manuais ESM (Environmentally Sound Management) também uma série de artigos técnicos para emprego prático. A recomendação OECD e do guia manual relacionado de 2007 podem ser a base deste trabalho (OECD, 2007a; 2007b). De adicional relevância para o desenvolvimento de uma estrutura de padrões ESM é o BRef-notas da UE, que está definindo um valor de referência para que seja de alguma forma incluída no âmbito da ESM-padrões.

5 CONCLUSÕES


Além dos desafios indicados, que vão além da definição de normas mais avançadas, o fechamento global de ciclos de matérias-primas é um dos problemas ainda não resolvidos na gestão internacional de resíduos. Muitos resíduos ainda estão sendo depositados em lixões sem qualquer pré-tratamento e em condições não seguras ao meio ambiente. De importância estratégica são resíduos perigosos e materiais críticos, como materiais raros em sucata eletrônica, no que diz respeito à sua disponibilidade para a produção de eletrônicos, fotovoltaica e dispositivos de energia eólica. As taxas de reciclagem dessas matérias-primas estratégicas são muito baixas devido aos baixos preços das matérias-primas no mercado global. A responsabilização internacional dos produtores ou outros tipos de instrumentos econômicos para promover a rentabilidade da coleta, transporte e reciclagem desses materiais são escassos. Novas pesquisas estão tentando ampliar o conhecimento sobre o assunto.

Seguindo o princípio da precaução, outra questão está se expandindo na agenda da política de resíduos internacional: Nanoresíduos. Cada vez mais os resíduos contêm nanomateriais, e o destino e o transporte destes materiais, muitas vezes, devido ao seu tamanho, e risco no contexto de gestão de resíduos, ainda não está claro na maior parte das vezes.

Devido ao tamanho muito pequeno dos nanomateriais, a sua detecção ainda é, tecnicamente, um desafio. Como as diferentes substâncias reagem em operações de disposição de resíduos, e as instalações são capazes de cumprir a sua função? O risco potencial da emissão desenfreada através do sistema de gestão de resíduos deve ser minimizado. Especificamente, os processos de incineração, recuperação de lodos de águas residuais, as operações de reciclagem e disposição em aterros sanitários são potenciais candidatos para futuras pesquisas mais detalhadas.

REFERÊNCIAS


BC-10/3 – Indonesian-Swiss country-led initiative to improve the effectiveness of the Basel Convention. Disponível em: <http://goo.gl/k7aYB7>. Acesso em: 12 jan. 2015.

OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Guidance Manual for the Implementation of the OECD Recommendation C(2004)100 on Environmentally Sound Management (ESM) of Waste. 2007a. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/23/31/39559085.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2015.

OECD – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Recommendation of the Council on the Environmentally Sound Management of Waste. 9 June 2004 – C(2004)100. Amended on 16 October 2007 – C(2007)97. 2007b. Disponível em: <http://acts.oecd.org/Instruments/ShowInstrumentView.aspx?InstrumentID=51&InstrumentPID=48&Lang=en&Book=False>. Acesso em: 12 jan. 2015.

ONU-UNEP – Report of the Conference of the Parties to the Basel Convention on the Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and Their Disposal on its tenth meeting. Conference of the Parties to the Basel Convention on the Control of Transboundary Movements of Hazardous Wastes and Their Disposal Tenth meeting Cartagena, Colombia, 17-21 October 2011. Disponível em: <http://archive.basel.int/meetings/cop/cop10/documents/28e.pdf>. Acesso em: 12 jan. 2015.

PORTARIA DA UE 2002/95/EC. Directiva 2002/95/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de Janeiro de 2003, relativa à restrição do uso de determinadas substâncias perigosas em equipamentos elétricos e electrônicos. Disponível em: <http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?uri=CELEX:32002L0095>. Acesso em: 12 jan. 2015.


------------------------------------------------
Versão pdf para download, clique aqui.
Uso autorizado desde que citada a fonte e informado via e-mail: gsrsu.br@gmail.com
------------------------------------------------

Como citar [ABNT NBR 6023:2002]:

JARON, Andreas. Gestão Internacional de Resíduos: desafios, medidas e possibilidades. In: FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo; BAGNATI, Marius. (Coords.). Gestão sustentável de resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig: Technische Universität Braunschweig, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BE246I>. Acesso em: .
------------------------------------------------
[Seja um doador, clique aqui]
[Seja um colaborador, clique aqui]
[Seja um anunciante, clique aqui]
------------------------------------------------