7 de março de 2017

Valorização de Resíduos Sólidos Urbanos: conceito, experiências operacionais e otimização

Recovery of Municipal Solid Waste: experience and optimization

RESUMO
A legislação nacional da Alemanha e Europeia tem como foco a reciclagem de resíduos, tanto quanto possível. Também resíduos mistos serão reciclados e recuperados energeticamente. O tratamento destes resíduos com a tecnologia de Tratamento Mecânico-Biológico (TMB) permite a separação de materiais valiosos e reduz a quantidade de resíduos a ser encaminhada para o aterro. A operação nas plantas TMB, como a própria denominação sugere, é geralmente realizada em duas etapas principais: em primeiro lugar, os rejeitos são tratados mecanicamente, e em segundo, tratados biologicamente. A etapa de fermentação integrada durante o tratamento biológico tem a vantagem de converter em biogás as frações orgânicas facilmente biodegradáveis. Energia elétrica e calor podem ser gerados a partir do biogás e processados para comercialização. Nesse artigo são descritos vários métodos de fermentação. Em seguida, é apresentada a planta TMB de Hannover na Alemanha. Também são descritas experiências adquiridas durante a fase de projeto, do fabricante, da operação e as medidas de otimização que foram necessárias. As recomendações são interessantes para serem avaliadas por novos investidores ou operadores. Plantas tipo TMB ajudam a preservar o meio ambiente devido aos seus efeitos positivos sobre as alterações climáticas. Por último, foi avaliada a possibilidade de transferência de conhecimento sobre plantas TMB com tecnologia de fermentação integrada para o Brasil, onde esta avaliação abordou desde a simplificação até a adaptação das técnicas disponíveis às condições específicas de cada país. Na Alemanha, uma vez que já acumulamos dez a quinze anos de experiência em operação de plantas TMB, podemos oferecer suporte para o Brasil durante a sua implementação, simplificando seu funcionamento e os conceitos de um sistema de tratamento de resíduos mistos.
Palavras-chave: Rejeitos. Fermentação. Tratamento mecânico-biológico. Otimização. Recuperação energética.

ABSTRACT
The European and German national legislation the target is to recycle waste as much as possible. Also residual waste will be recycled and recovered energetically. The residual waste treatment with MBT technology allows the separation of valuable materials and to reduce the amount of material going to landfill. Mechanical-biological waste treatment plants (MBT) are usually realized with two main steps: first, the waste is processed mechanically, and second, treated biologically. A fermentation step integrated into the biological treatment stage has the advantage that the easily degradable organic substances within the waste are converted to biogas. Electricity and heat can be generated from biogas and processed for marketing. In the following text, various methods of fermentation concepts are described. Then, the system design of the MBT Hanover (Germany) is exemplarily presented. The experience gained during the design, from the manufacturer and from the operation and necessary optimization measures are described. The resulting recommendations are interesting for new investment plans or operators of MBT plants. MBT help relieve the environment due to their positive effects on climate change. Finally, the transferability of the MBT technology with fermentation stage in Brazil is checked. This includes primarily the simplification and adaptation of the techniques available to country-specific conditions. In Germany, the since now 10 – 15 years experience gained working with MBT can support for Brazil to establish meaningful, simplified and functioning system concepts for treatment of residual waste.
Keywords: Municipal solid waste. Digestion. Mechanical-Biological Treatment Plant. Optimization. Waste-to-energy.

1 INTRODUÇÃO

A base legal da gestão de resíduos sólidos urbanos na Alemanha é a lei sobre a economia de ciclo fechado (KrwG, 2012), revisada em 2012. O objetivo da lei é promover a economia de ciclo fechado para assegurar a preservação dos recursos naturais e a proteção do homem e do ambiente na produção e na gestão de resíduos, e especificamente, promover a reciclagem e as demais formas de aproveitamento material dos resíduos. Conforme previsto em diretiva da comunidade europeia de 2010, uma hierarquia de gestão de resíduos, composta por cinco níveis, foi implementada em forma de lei nacional:
  • Evitar;
  • Reutilizar;
  • Reciclar;
  • Outras formas de aproveitamento, especificamente, aproveitamento energético;
  • Eliminar.
Os níveis relatados vêm de encontro com a proposta de reduzir ao máximo o encaminhamento de resíduos valorizáveis para o aterramento.

Desde o ano 2005, os resíduos destinados para a disposição em aterros precisam passar por um pré-tratamento. Para tanto, duas tecnologias estão à disposição: a incineração e o tratamento mecânico-biológico (TMB).

As vantagens do tratamento mecânico-biológico dos rejeitos, de forma geral, consistem em:
  • Alta flexibilidade frente a alterações das quantidades e da composição dos resíduos;
  • Flexibilidade na gestão dos fluxos de massas;
  • Menores custos de investimento comparado com uma planta de incineração de resíduos;
  • Aproveitamento material: Separação de fluxos de resíduos para posterior aproveitamento, por exemplo metais ferrosos e não ferrosos, combustíveis alternativos;
  • Aproveitamento energético: uma etapa da biodigestão anaeróbia possibilita o uso do biogás para a geração conjunta de calor e energia;
  • Prolongamento da vida útil do aterro.
Na Alemanha, as plantas de TMB são operadas principalmente por entidades públicas de alcance local e regional, ao contrário das plantas de incineração que são operadas por empresas privadas ou em cooperação entre entidades públicas e empresas privadas.

As plantas operadas com tecnologia TMB são exclusivamente reservadas para o tratamento de rejeitos. Como rejeitos definem-se os resíduos que sobram depois da coleta seletiva de recicláveis como papel, vidro, ferro velho, lixo eletrônico, embalagens leves (plásticos) e resíduos orgânicos domésticos. Os rejeitos ainda contêm determinadas quantidades de recicláveis e orgânicos, devido à impossibilidade da separação completa dos resíduos pela coleta seletiva.

Na maioria dos municípios alemães, os resíduos orgânicos, por se tratar de material declarado como “resíduos para aproveitamento”, são coletados separadamente, e compostados. As mais novas alterações da legislação da gestão dos resíduos demandam a introdução da coleta seletiva de resíduos orgânicos em todo o território nacional, até 2015. A biodigestão de resíduos orgânicos consiste em uma tecnologia promissora (Fricke, 2014). Além disso, é prevista a consolidação em lei, da separação de “recicláveis”.

Em consequência supõe-se que quantidades adicionais e outros tipos de resíduos serão retirados dos rejeitos. As quantidades e proporções podem variar dependendo do local (proximidade a centros urbanos, plantas de triagem, plantas de compostagem) e de variações devido às estações (por exemplo, a proporção dos orgânicos). O tratamento de resíduos especiais em plantas de TMB não é permitido. Existem sistemas de coleta e tratamentos especificamente para estes resíduos.

Uma planta de TMB é apropriada para o tratamento de resíduos de comércio, rejeitos das plantas de compostagem e de triagem, resíduos da construção civil e resíduos industriais (sem os resíduos especiais), lodos e resíduos de estações de tratamento de esgotos (ETEs). Devido à seletividade da tecnologia de beneficiamento, as plantas de TMB são capazes de prover uma gestão flexível dos fluxos de massas, podendo também operar com resíduos destinados à reciclagem.

Para poder funcionar eficientemente, as plantas de biodigestão anaeróbia necessitam quantidades suficientes de matéria orgânica de fácil decomposição, para a produção de biogás. Isso pode ser garantido por meio da adição de substratos disponíveis localmente, por exemplo, lodo de ETE, resíduos alimentícios, bem como, resíduos da produção de papel.

O tratamento dos rejeitos por meio da tecnologia TMB possibilita a recuperação de recicláveis e a quantidade de material a ser disposto é reduzida consideravelmente. Via de regra, a tecnologia é implementada com dois passos de tratamento distintos: no primeiro momento, os rejeitos são beneficiados mecanicamente, e depois submetidos ao tratamento biológico (mais informações em DWA-M388, 2014).

2 TRATAMENTO MECÂNICO-BIOLÓGICO COM BIODIGESTÃO ANAERÓBIA

Neste capítulo serão descritas as etapas processuais do tratamento mecânico e biológico com fermentação integrada, tendo como ponto principal a origem mista do substrato, oriundo da coleta tradicional de rejeitos.

2.1 Tratamento Mecânico

Na etapa do beneficiamento mecânico, os rejeitos são preparados e acondicionados para as etapas de tratamento a jusante, e o fluxo de massas é segregado em corpos estranhos, materiais pesados e frações passíveis de aproveitamento material ou energético (por exemplo, metais, combustíveis alternativos).

Os rejeitos entregues são controlados para fins de detecção de corpos estranhos. Corpos estranhos volumosos são removidos manualmente ou por meio de uma pá-carregadeira. O material depois é triturado e peneirado com granulometria de 40 mm a 80 mm, com a finalidade de otimizar a fração com alto valor calorífico. A separação automática dos metais ferrosos e/ou, não ferrosos é empregada, ou antes, ou depois desta etapa. Em princípio, a tecnologia TMB permite a separação de outras frações de recicláveis (por exemplo, tipos de plásticos de alta pureza).

Em média, 50% do input é separado em forma de fração fina. A fração grossa é enviada diretamente, ou após mais um passo de beneficiamento, para a reciclagem ou para o aproveitamento material ou energético. A produção de combustíveis alternativos é efetuada por meio da separação de componentes com alto valor calorífico, em peneiras, por corrente de ar e/ou por separação balística. De acordo com a configuração da planta, a integração de etapas adicionais de beneficiamento é possível, tais como a secagem de determinadas frações.

Os combustíveis alternativos podem ser distinguidos em frações de alto poder calorífico e combustíveis secundários. A fração de alto poder calorífico consiste de materiais provenientes dos resíduos mistos, cujo valor calorífico, devido a sua composição e suas propriedades, é mais alto quando comparado ao respectivo valor da massa bruta descarregada. Frações de alto poder calorifico podem ser captadas a partir da primeria etapa de peneiramento, geralmente em malha > 60 mm. Estas frações detêm materiais de alto poder calorífico tais como papéis, plástico filme e madeiras. O teor energético dessa fração geralmente é acima de 11.000 kJ/kg. As frações de alto poder calorífico, comparadas ao combustível secundário, apresentam pouca complexidade de processamento, resultando em frações de maior granulometria. Tipicamente, essa fração provém do TMB bem como, de plantas de triagem de resíduos domésticos e do comércio, e é utilizado como combustível único em termelétricas a combustíveis alternativos, ou como matéria-prima na produção de combustíveis secundários. Estes podem ser interessantes para indústrias com alta demanda de energia, como na fabricação de cimento ou de papel, pois pode se constituir em uma opção economicamente viável para a substituição de combustíveis fósseis mais caros.

Provavelmente deve-se fornecer informações sobre determinadas propriedades do combustível alternativo, como, valor calorífico, granulometria, teor de corpos estranhos, de acordo com a tecnologia de processamento térmico instalada. As exigências do cliente podem tornar necessário que o material seja peletizado ou briquetado.

2.2 Tratamento Biológico

A fração enriquecida com material orgânico, oriundo do material de granulometria menor que passou pela peneira, no beneficiamento mecânico, é conduzido para o tratamento biológico, onde o material orgânico é degradado e transformado em húmus. O tratamento biológico pode ser distinguido em tratamento aeróbio (compostagem intensiva e pós-compostagem), tratamento anaeróbio (biodigestão), e combinação dos dois tratamentos. A combinação dos dois tratamentos consiste de uma etapa anaeróbia, de biodigestão, antes da etapa aeróbia, de compostagem. Os processos disponíveis no mercado compreendem a biodigestão de todo o fluxo de material ou de fluxos parciais, bem como, processos de biodigestão a seco e a úmido.

Na Alemanha, doze plantas de TMB com etapa de biodigestão, em complementação ao tratamento aeróbio, estavam em operação no ano 2012 (DWA-M388, 2014). Além da estabilização biológica da matéria orgânica, biogás com elevado valor calorífico é produzido pelo processo anaeróbio. Na etapa de pós-compostagem, os resíduos da biodigestão são transformados em material apropriado para aterramento, ou, após secagem, para utilização como combustível secundário.

Uma visão mais ampla dos processos de tratamento anaeróbio disponíveis no mercado, para rejeitos e para resíduos orgânicos, pode ser obtido em Technische Universität Braunschweig (TU, 2012).

2.2.1 Biodigestão Anaeróbia

A etapa da biodigestão permite a utilização da maior parte da energia contida nos resíduos, através da produção do biogás. O tempo de tratamento é, aproximadamente, três semanas, seguido por desidratação mecânica e uma estabilização aeróbia ou secagem térmica. Posteriormente o material é tratado na etapa da pós-compostagem até estar pronto para uso como combustível secundário ou adequado para a disposição.

Podem-se distinguir os seguintes processos para o tratamento anaeróbio de rejeitos:
  • Biodigestão a seco, de fluxo parcial ou de fluxo integral;
  • Biodigestão a úmido, de fluxo integral (processos de TMB com biodigestão de fluxos parciais a úmido não são realizados na Alemanha).
Os processos da biodigestão a seco e a úmido diferem entre si pelo teor de matéria seca (MS) do material, no reator. O teor de MS no processo a úmido corresponde de 4% a 15%, enquanto o teor de MS no processo a seco é de, aproximadamente, 30%. Devido ao teor de umidade dos resíduos frescos, de aproximadamente 50%, a adição de água é necessária em ambos os processos. Essa água é retirada, de preferência, através da desidratação dos resíduos da biodigestão, considerando variações sazonais do teor de umidade nos resíduos frescos.

O processo da biodigestão a seco frequentemente é concebido em fase única. Neste processo, todas as fases da biodigestão acontecem paralelamente no reator. Devido às exigências dos micro-organismos em relação a seu ambiente, os processos de fase única se constituem em um compromisso. Na Alemanha, os processos de biodigestão em plantas de TMB são concebidos, exclusivamente, em sistema contínuo, o que significa que a alimentação com resíduos frescos e a retirada dos resíduos biodigeridos acontece de forma contínua e ao mesmo tempo. O tempo de retenção, no reator, para resíduos sólidos domésticos, é de, aproximadamente, 20 dias.

A maioria das plantas de TMB na Alemanha, equipadas com o processo da biodigestão a úmido, utilizam o processo de fases separadas: onde a hidrólise e a metanogênese decorrem consecutivamente. Em todos os processos da biodigestão, a etapa de hidrólise, em pH ácido, vem antes da metanogênese, sob a formação de H2 e CO2. Os processos da biodigestão anaeróbia disponíveis estão apresentados na Figura 1.

Figura 1 – Processos de biodigestão anaeróbia disponíveis
 
Fonte: Abfallwirtschaft Region Hannover, Stand 2012 /TU Braunschweig 2012, verändert.

A biodigestão pode ocorrer em temperaturas nas faixas mesofílica bem como, termofílica. O processo de biodigestão a úmido é conduzido, com preferência, na faixa mesofílica, devido à adição necessária de elevados volumes de água, que precisam ser aquecidos.

Os resíduos confeccionados em fração fina são misturados com água de processo e, se for o caso, também com resíduos biodigeridos recirculados, para produzir uma mistura bombeável, cuja temperatura pode ser regulada por meio de fontes externas de energia. No processo a seco, resíduos biodigeridos são adicionados aos resíduos frescos para melhorar o contato com a biomassa anaeróbia e a adaptação rápida dos micro-organismos ao substrato.

Depois de biodigeridos a seco, a desidratação e o adensamento, respectivamente, dos resíduos, podem ser efetuados por meio de prensas de rosca, vibro-prensas, filtro prensas de esteira ou por centrífugas. Antes da última etapa de desidratação, um floculante deve ser adicionado. O teor de umidade ideal dos resíduos desidratados é de 45%. Para que a aeração no processo a jusante possa acontecer da melhor maneira possível, o teor de umidade não deve ultrapassar 50%.

No processo da biodigestão a úmido, o substrato encaminhado para a unidade de desidratação recebe um floculante, para promover uma melhor separação das fases líquida e sólida, por exemplo, por meio de centrífugas. Um passo de secagem pode ser introduzido, caso necessário. A fase líquida separada recebe tratamento para exclusão de corpos estranhos, por exemplo, partículas de plástico > 2 mm, e em seguida, é disponível como água de processo.

O processo termofílico resulta, em todos os sistemas, em quantidades maiores de biogás e de metano. A maior parte dos processos em batelada, a seco bem como, a úmido, são operados em regime mesofílico.

2.2.2 Processo de biodigestão a seco, em sistema batelada

Na Alemanha, os processos de biodigestão a seco, em batelada, apenas tem aplicação para resíduos orgânicos da coleta seletiva de resíduos sólidos urbanos (RSU). Porém, devido à sua simplicidade, comparada com outros processos, estes processos podem se constituir em uma alternativa para o tratamento de RSUs no Brasil. Segue uma descrição do processo, tomando o processo Kompoferm como exemplo (TU Braunschweig, 2012):

Os RSUs a serem biodigeridos são colocados sem tratamento, ou depois de triagem por peneira de > 100 mm, nos reatores em forma de túnel, por meio de uma pá-carregadeira, em sistema de batelada. Os resíduos são umedecidos com água de processo acondicionada (percolado), que é conduzida em ciclo fechado entre os fermentadores a seco e o fermentador de percolado, com adaptação às diferentes fases do processo. O percolador tem a função de ajustar os fluxos de percolado no ciclo fechado, além de misturar os diversos fluxos de percolados provenientes dos túneis de fermentação, cada um dos quais se encontra em fase diferente do processo de biodigestão. No fermentador de percolado existe uma biocenose metanogênica estável, que é utilizada como inóculo do material fresco recentemente colocado nos túneis de fermentação. Além disso, o fermentador de percolado serve como tampão para os teores de ácidos orgânicos temporariamente elevados, provindos da fase de start-up de cada um dos fermentadores, e os transforma em metano, contribuindo consideravelmente para a produção de biogás.

Os elevados volumes de percolado circulando pelo sistema resultam em uma troca e transporte eficiente de produtos metabolizados, parecido com as condições em reatores de tanque de agitação contínua. A manutenção da temperatura de processo de 38 °C nos túneis de fermentação é promovida por meio da recirculação de percolado presente no fermentador de percolado, que é aquecido. Algumas das novas instalações também são operadas em sistema termofílico. O fermentador de percolado contêm defletores internos que provocam um fluxo forçado do tipo pistão (plug-flow), resultando em tempo de retenção ótimo para todo o volume de percolado.

Depois de abastecido o túnel de fermentação, a porta hermética é fechada. Uma vedação a ar pressurizado com pressão controlada, em toda a extremidade da porta, garante a impermeabilidade ao gás. Dentro das primeiras 6 a 24 horas o material é submetido a um pré-tratamento aeróbio, por meio de aeração ativa, presente no piso do fermentador. O rápido aquecimento para temperatura mesofílica do processo, de 38 °C a 40 °C, bem como, a hidrólise da biomassa, é promovido pela fermentação aeróbia. O ar exaurido da aeração é conduzido para um biofiltro para a redução de odores desagradáveis.

A fase anaeróbia do processo começa depois de encerrar a aeração e inocular o substrato com percolado aquecido. No primeiro momento, a hidrólise continua, formando CO2. Os ácidos orgânicos formados na hidrólise são metabolizados em produtos intermediários e por final, em CO2 e CH4, por micro-organismos anaeróbios. A biocenose anaeróbia se instala no túnel de fermentação depois de alguns dias. A partir deste momento, biogás de valor, com teor elevado de metano, é produzido. Mesmo assim, o biogás produzido na fase inicial, com baixo teor de metano, também pode ser aproveitado, por que todos os fermentadores estão funcionando alternadamente, em sistema de batelada. A qualidade do biogás é ajustada através da mistura nas tubulações e no fermentador de percolado. O biogás produzido é armazenado em gasômetros instalados em cima dos túneis fermentadores, até o seu aproveitamento.

2.2.3 Estabilização aeróbia

Depois do tempo de retenção de três semanas, o processo de biodigestão anaeróbia é encerrado; o material é retirado do fermentador e estabilizado aerobiamente. A estabilização aeróbia pode ser feita encerrando o umedecimento da massa digerida com percolado e, ou por aeração intensiva com ar fresco (oxigênio). O tempo de tratamento necessário para a ampla estabilização aeróbia do material é de três a cinco dias.

O tratamento aeróbio intensivo do resíduo da biodigestão anaeróbia provoca a morte dos micro-organismos anaeróbios. Na transição do ambiente anaeróbio para o ambiente aeróbio, amoníaco pode ser liberado em concentrações relativamente altas. O ar exaurido nessa fase ainda contém uma concentração pequena de metano, tornando necessário o tratamento separado deste fluxo de ar exaurido.

As exigências muito elevadas quanto a qualidade de emissões para o ar, de plantas de TMB, não devem ser transferidas para outros países, portanto o tema “tratamento de ar exaurido” não será abordado aqui. Porém, as emissões de odores desagradáveis e de metano e de N2O, sendo gases de efeito estufa, devem ser consideradas. Os odores e o metano podem ser degradados por meio de biofiltros, e a formação do N2O pode ser limitada através do controle cuidadoso do processo.

2.4 Compostagem Intensiva e Maturação

Os processos de compostagem são processos aeróbios, ou seja, os resíduos são submetidos a um tratamento aeróbio. Os processos empregados compreendem:
  • Compostagem em túneis;
  • Compostagem em contêineres;
  • Compostagem em leiras;
  • Compostagem em leiras trapezoidais.
As plantas de TMB que trabalham com processo exclusivamente aeróbio, empregam uma fase de compostagem intensiva (4 a 6 semanas) seguida por uma fase de maturação (8 a 10 semanas). Nas plantas com etapa anaeróbia, a biodigestão é seguida por uma etapa de maturação aeróbia, reduzindo o tempo de compostagem necessário para aproximadamente, seis semanas.

Na compostagem intensiva, sobretudo os compostos orgânicos de fácil decomposição são metabolizados pelos micro-organismos. Um ambiente equilibrado é essencial para obter altas taxas de processamento. O material compostado deve atingir uma temperatura de 55 °C. O abastecimento com água e ar deve ser equilibrado, podendo o último ser efetuado por aeração bem como, por reviramento do material.

Na maturação, os compostos de carbono de difícil decomposição são degradados. A temperatura deve ser ajustada para 35 °C. Comparados com a compostagem intensiva, os processos de degradação na maturação são mais lentos.

2.5 Aproveitamento do Gás

O biogás produzido em uma planta de TMB é utilizado para a produção de eletricidade e de calor, por meio de sistemas de cogeração, ou utilizado diretamente na operação da planta de TMB. Os sistemas de cogeração podem ser instalados em módulos o que possibilita a melhor adaptação à capacidade desejada. Os sistemas de cogeração obtêm eficiências comparativamente altas, por que 80% a 90% da energia contida no combustível podem ser transformada em eletricidade e calor. A eficiência é resultado da adição de eficiência elétrica (transformação em eletricidade) e eficiência térmica (transformação em calor). Dependendo do tipo de motor e sua potência, a eficiência elétrica média de um sistema de cogeração é entre 30% e 40%, e a eficiência térmica, entre 50% e 60%.

Os rendimentos de biogás das diversas plantas de TMB dependem dos substratos disponíveis, da tecnologia instalada, do tempo de retenção e da carga volumétrica. O rendimento de biogás calculado para algumas plantas de TMB foi entre 90 Nm³/Mg e 200 Nm³/Mg de material fresco. Em relação ao input da planta, estes resultados correspondem a um rendimento médio de 45 Nm³/Mg (calculado para um teor de CH4 de 60%).

Via de regra, o biogás contém o sulfeto de hidrogênio, que deve ser reduzido o máximo possível, por várias causas: o H2S como formador de ácidos aumenta o risco de corrosão dos componentes da planta. No reator, o H2S tem ação inibitória para a biocenose metanogênica. Além disso, teores elevados de enxofre no biogás provocam a danificação dos motores nos sistemas de cogeração. As tecnologias disponíveis se encontram descritas em Robra e Raussen (2014).

3 GESTÃO DE RESÍDUOS EM HANNOVER

A região de Hannover é localizada no norte da Alemanha. A região é composta por uma quantidade elevada de municípios sendo a maior da Alemanha, com 1,1 milhão de habitantes em 21 municípios, e conta com uma área de 2.300 km². A metade dos habitantes da região, aproximadamente 550.000, vive na cidade de Hannover. O entorno de predominância rural, abriga a outra metade dos habitantes da região distribuída em20 cidades e vilas.

O Consórcio de Gestão de Resíduos da Região de Hannover (AHA) é um organismo de direito público responsável pela realização de serviços como, a coleta e o tratamento dos resíduos como RSU e recicláveis, bem como, a operação de vários pontos de entrega e plantas de compostagem, além de uma planta de TMB e três aterros sanitários.

A AHA tem como objetivo a redução ao mínimo, das quantidades de resíduos para disposição em aterros, segundo previsto pela gestão moderna de resíduos, exigida por lei.

Na região de Hannover, cerca de 760.000 Mg de resíduos são produzidos anualmente. Depois da coleta seletiva feita pelos habitantes, que separam os RSU em domicílio segundo as frações de recicláveis (vidro, papel, resíduos orgânicos, embalagens leves, madeira usada, resíduos da construção civil e solo, resíduos eletrônicos e outras) ainda sobram cerca de 300.000 Mg de rejeitos para disposição final (veja Figuras 2 e 3). Essa quantidade compreende os RSU domésticos bem como do comércio, além dos resíduos volumosos.

Figura 2 – Composição dos resíduos na região de Hannover (Volume total: 766.000 Mg, em 2012)
Fonte: Adaptado de Gestão de Resíduos Hannover, 2012.

Os resíduos orgânicos domésticos e verdes, da coleta seletiva, são tratados em plantas de compostagem e comercializados como composto orgânico (Figura 3).

Os resíduos da região de Hannover são conduzidos para as diversas plantas de tratamento, processados segundo a origem, o valor calorífico e a distância. Para tanto, diversos contingentes de tratamento na forma de plantas de incineração externas estão disponíveis, além das próprias instalações da AHA, como a planta de TMB para rejeitos, em Hannover.

A planta de TMB de Hannover tem licença para o tratamento de 200.000 Mg anuais. A instalação para o tratamento mecânico (TM) está em operação desde o ano 2000, a instalação a jusante para o tratamento biológico (TB), desde o ano 2005. A TB é constituída com processo de biodigestão a seco, segundo o sistema VALORGA, com tratamento aeróbio posterior e maturação em sistema fechado (mais informações sobre este sistema podem ser obtidos em Vielhaber & Middendorf, 2011). Os rejeitos após o tratamento pelo TMB, cerca de 48.000 Mg de resíduos, são dispostos em aterro (Figura 3).

Figura 3 – Quantidades de resíduos sólidos urbanos e de rejeitos, e rotas de tratamento, na região de Hannover (em 2012)
Fonte: Adaptado de Gestão de Resíduos Hannover, 2012.

4 PLANTA TMB DE HANNOVER

A planta de TMB de Hannover (Figura 4) recebe RSU e resíduos similares.

A planta de tratamento mecânico e biológico de Hannover é maior planta da Alemanha para processamento de resíduos mistos, desta forma seu conceito tecnológico pode servir de modelo em outras experiências. Uma transferência de conhecimento para o Brasil deve tomar em consideração as diferenças legais entre os países remontando em flexibilizações técnicas, por exemplo, em relação ao tratamento das emissões gasosas.

Figura 4 – Central de tratamento de RSU em Hannover: TMB (no fundo), planta de compostagem dos orgânicos (no centro) e planta de incineração da EEW Hannover Ltda (na frente)
Fonte: Vielhaber e Middendorf (2011).

4.1 Tratamento Mecânico

O esquema na Figura 5 mostra o fluxo de processo: os caminhões da coleta descarregam os resíduos no reservatório de armazenamento. Por meio de uma garra, os resíduos são colocados em trituradores.

Figura 5 – Fluxograma do tratamento mecânico (TM)
Fonte: Adaptado de Vielhaber e Middendorf (2011).

Os corpos estranhos são removidos, os metais ferrosos são retirados por magnetos, e por meio de peneiras, as proporções residuais de papel, madeira e plásticos contidas na fração grossa são separadas da fração fina, que contém a maior parte do material orgânico apropriado para a biodigestão. A granulometria é de 60 mm. Quatro linhas de tratamento quase idênticas são operadas em paralelo, na planta de TMB.

A fração grossa de alto valor calorífico é conduzida para o aproveitamento térmico, na planta de incineração, localizada na proximidade imediata. O tratamento fino antes da biodigestão consiste em uma etapa de peneiramento (</> 15 mm) seguido por uma separação por corrente de ar da fração > 15 mm, objetivando a eliminação dos corpos pesados inertes (pedras, vidro, minerais) da fração < 60 mm, os quais não são apropriados para a biodigestão e portanto, são conduzidos diretamente para a etapa de maturação do tratamento aeróbio (Figura 5).

4.2 Tratamento Biológico

Figura 6 – Fluxograma do tratamento biológico (TB)
Fonte: Adaptado de Vielhaber e Middendorf (2011).

O tratamento biológico compreende as etapas de biodigestão, de compostagem aeróbia e de maturação. O fluxograma do processo se encontra na Figura 6. A fração “leve” produzida pela separação por corrente de ar é conduzida para a biodigestão. Nos casos em que o TM e, ou o TB não podem receber resíduos, devido à manutenção agendada ou por causa de um defeito, uma esteira e um reservatório instalado no meio das etapas têm capacidade de armazenamento de uma carga diária da fração fina (400 Mg).

A biodigestão anaeróbia segundo o processo “VALORGA” ocorre na faixa mesofílica (35 °C a 42 °C). O tempo de retenção nominal nos reatores é de 20 dias. Em seguida, os resíduos da biodigestão são submetidos a uma desidratação em três etapas e conduzidos para o tratamento aeróbio. Nesta etapa, os resíduos são aerados intensivamente por 48 horas, com o intuito de retirar o amoníaco. Depois disso, os resíduos são colocados em leiras e maturados por mais seis semanas, aerados por sucção e revirados automaticamente, uma vez por semana, e finalmente transportados em caminhões para o aterro (Figura 6).

A planta de TMB de Hannover funciona de segunda a sexta, em três turnos. O descarregamento de resíduos acontece durante o dia entre 6h e 22h, o funcionamento das máquinas é de 12 h/dia a 14 h/dia. O turno noturno é reservado para a manutenção dos equipamentos.

4.3 Purificação e Aproveitamento do Biogás

Na área de processamento de Hannover, o biogás produzido no tratamento biológico da planta de TMB é misturado com o gás de um aterro desativado e conduzido para um sistema de purificação e aproveitamento do biogás. O gás de aterro é disponível de forma equilibrada, com cerca de 1.000 m³/h. Devido à falta de material fresco no aterro de Hannover, desativado no ano 2005, o teor de metano, com 40% a 45%, é comparativamente baixo. O volume de gás disponível diminui em 10%, a cada ano.

A mistura dos gases é conduzida para um compressor e depois é desumidificada por meio de secagem por refrigeração, com vazão de 3.600 m³/h. Dois filtros de carvão ativado colocados em série retiram os siloxanos e o sulfeto de hidrogênio, por adsorção. E, em seguida, o gás é conduzido por um gasômetro com capacidade de 1.500 m³, cuja função é mais de misturador do que para o armazenamento (capacidade tampão de 30 min).

O gasômetro foi instalado porque o biogás e o gás de aterro não se misturam no gasoduto mesmo com seus 500 m de comprimento, causando problemas nos motores do sistema de cogeração. Estes motores possuem gerenciamento eletrônico regulado pelo poder calorífico do gás, e tendo surgido problemas nos motores com a adaptação aos pulsos do poder calorífico alternado, dos dois tipos de gás. As variações de pressão e de poder calorífico na rede de gás local foram neutralizadas pelo gasômetro, melhorando a segurança de funcionamento do sistema de cogeração.

Após passagem pelo gasômetro, um volume de 500 m³/h do gás purificado é utilizado como combustível no tratamento do ar exaurido da planta TMB. O restante (12,5 milhões de Nm³, em 2010) é convertido em energia elétrica, em sistemas de cogeração. Estes sistemas têm potência elétrica e térmica, de 3,8 MW, respectivamente. A eletricidade é injetada para a rede própria (cerca de 15 milhões de kWh/a) e para a rede pública (cerca de 22 milhões de kWh/a), e o calor residual é utilizado para suprir a demanda de água quente e calefação na área de processamento em Hannover.

5 EXPERIÊNCIAS ACUMULADAS DURANTE A GESTÃO DE UMA PLANTA DE TRATAMENTO MECÂNICO-BIOLÓGICO

O sistema de tratamento mecânico da planta de TMB de Hannover entrou em operação no ano 2000. Desde então, está funcionando quase sem falhas de processo. Contribuíram para isto a segurança de back-up e o dimensionamento confortável das duas linhas de tratamento, que possibilitam a continuação da operação com, no mínimo, 60% da capacidade, no caso em que uma das linhas seja parada.

O fornecedor da instalação de tratamento biológico (TB) iniciou a operação em meados de 2005 e não conseguiu estabelecer um funcionamento bem sucedido até o fim de 2006. Os vários problemas que surgiram foram motivo para a AHA desistir do contrato de construção com o fornecedor e operar a planta por conta própria.

O potencial de otimização da planta de TMB de Hannover foi analisado e avaliado sistematicamente. 

As medidas de otimização tiveram os seguintes objetivos:
  • Operação conforme a licença de operação concedida (Respeitando o Regulamento 30. BImSchV, DepV);
  • Aumentar o desempenho e a disponibilidade;
  • Economicidade.
As recomendações para o planejamento de instalações novas, por exemplo, no Brasil, derivadas das experiências da colocação em operação da planta de TMB de Hannover, encontram-se descritas nos próximos itens.

5.1 Planejamento

Na fase de planejamento, o conceito tecnológico sugerido pelo fornecedor deve ser revisado por um especialista da área. Apenas após a opinião do especialista, os planos para a colocação em prática e para a continuação mais detalhada do planejamento serão liberados.

Os diversos passos do planejamento devem ser bem coordenados. Componentes em cadeia, como máquinas e esteiras, devem ser dimensionados em relação às quantidades processadas bem como, aos intervalos de manutenção necessários. Deve-se evitar que um equipamento subdimensionado se constitua em um gargalo que cause transtorno para todos os equipamentos à jusante.

Os resíduos a serem tratados levam substâncias consigo que causam desgaste considerável do material dos equipamentos. A abrasão por partículas minerais ou materiais pesados como vidro, areia e pedras em tubulações, bombas e outros equipamentos pode provocar a degradação expressiva do material, com o passar do tempo.

Além disso, a areia pode se acumular nos diversos fermentadores envolvidos no tratamento biológico. Para sistemas contínuos de biodigestão recomenda-se, portanto, avaliar a instalação de um tratamento específico para a eliminação das frações pesadas.

Os resíduos contêm materiais de ação corrosiva, em conjunto com a umidade presente. A corrosão química (ácidos) ou a biocorrosão (excreções das bactérias) provocada por certas condições ambientais podem agir de forma agressiva nos componentes das instalações. A parte da construção deve também ser considerada. Como proteção contra a corrosão, materiais mais nobres (aço inox) ou revestimentos podem ser utilizados, entretanto, estas medidas resultam em custos maiores de investimentos. Uma alternativa é o uso de materiais mais simples e baratos, como peças de desgaste, que podem ser trocadas em determinados intervalos, porém, essa opção exige uma boa acessibilidade aos equipamentos. Para evitar a biocorrosão nos fermentadores, revestimentos apropriados das partes em contato com o biogás e das paredes interiores dos fermentadores devem ser previstos desde o início.

A segurança de trabalho e a boa disponibilidade dos sistemas dependem de uma boa acessibilidade aos componentes das instalações, especialmente nas partes que necessitam manutenção regular ou frequente troca de peças de desgaste.

Já na fase de planejamento, o espaço necessário para possibilitar o acesso para o serviço de manutenção, bem como, para os meios de transporte (plataformas elevadoras etc.), deve ser considerado e identificado nas plantas.

Para plantas de biodigestão, o fornecedor deve apresentar um balanço hídrico coerente. A água de processo deve ser conduzida em ciclo interno fechado, sempre que possível, evitando a produção de excessos de água de processo, a qual contém substâncias provenientes dos resíduos e precisa de um tratamento, muitas vezes bastante oneroso, devido às cargas consideráveis de demanda química de oxigênio (DQO). A poluição por traços de metais pesados, advindos dos rejeitos, tornam a água de processo imprópria para o lançamento em corpos receptores ou para o uso como biofertilizante, na agricultura, sendo que uma ETE municipal, via de regra, não é equipada para fornecer um tratamento adequado a este tipo de contaminante. Um tratamento externo em ETEs especiais é oneroso. Por outro lado, a água de processo produzida por plantas restritas à biodigestão de resíduos orgânicos como único substrato, pode ser utilizada de forma vantajosa, como biofertilizante na agricultura, substituindo fertilizantes sintéticos.

O clima quente e úmido dentro de uma planta de TMB, e mais ainda no clima predominantemente tropical brasileiro, provoca corrosão e falhas em componentes eletrônicos, portanto, um grau de automação muito complexa deve ser evitado. Os funcionários precisam ter um elevado grau de treinamento não apenas para a operação da planta, mas também para identificar eventuais falhas e para poder realizar os consertos necessários. Caso ainda não haja disponibilidade de funcionários devidamente treinados, a opção de instalar sistemas mais simples e robustos deve ser discutida junto ao fornecedor. Em locais com muito espaço disponível, os processos de carregamento ou de transportes internos podem ser realizados por equipamento móvel, como pás-carregadeiras.

Porém, por medidas de segurança, sistemas de controle automatizados são necessários em áreas de contato com o biogás, para o monitoramento da pressão atmosférica e dos teores de oxigênio e de metano. Salas fechadas com instalações técnicas conduzindo biogás necessitam de um monitoramento do ar, por meio de um detector conectado a um sistema de controle remoto, possibilitando o monitoramento 24 horas e a transmissão de alarmes por mensagem de texto ou algo parecido. Além disso, funcionários treinados para a análise de problemas e seu conserto são indispensáveis (Item 5.3).

Partes essenciais da instalação devem possuir um sistema de reserva back-up, que se constitui na instalação de duas ou até três linhas ou equipamentos iguais, para possibilitar o funcionamento do sistema em caso de manutenção ou de reparos.

O aproveitamento do gás no sistema de cogeração representa uma tecnologia robusta que pode ser bem adaptada às condições dos respectivos locais devido à sua concepção modular. Mesmo assim, dependendo da qualidade do biogás, a necessidade da instalação de um sistema de tratamento (filtragem, secagem) deve ser avaliada. Um sistema de purificação representa uma tecnologia complexa e onerosa, e, portanto, uma avaliação da economicidade deve fazer parte do planejamento.

Muitas vezes não existe o aproveitamento de todo o calor residual produzido pelos motores e gases de escape do sistema de cogeração. O aproveitamento do calor deve ser incluído no conceito, ou pela própria planta de TMB, por exemplo, para o aquecimento dos fermentadores, ou de forma descentralizada, em uma rede de calefação, desde que haja relevância devido a condições climáticas no Brasil.

5.2 Operação

Uma cláusula sobre o treinamento dos futuros funcionários sob supervisão do fornecedor, antes da entrega da planta, deve fazer parte da documentação de obrigações e das contratações. Um acordo deve ser fechado sobre a condução de uma fase de operação em teste, por tempo suficiente para avaliar o funcionamento contínuo do processo, até que 100% da capacidade seja atingida, na fase final. Em plantas de tratamento mecânico, este prazo geralmente é de quatro a seis semanas, enquanto para plantas de tratamento biológico, um prazo de três a seis meses é necessário. Neste tempo, a planta deve ser operada com 100% da capacidade por duas e seis semanas, respectivamente, e até, por curtos intervalos, com 110% da capacidade. Para tanto, o fornecedor deve disponibilizar um gerente, que também é responsável pelo treinamento dos futuros funcionários, durante a fase inicial do funcionamento.

Documentos e manuais devem ser disponibilizados na língua do respectivo país, não devendo aceitar uma documentação em inglês, no caso do Brasil. Ao contrário, tudo deve ser descrito e intitulado em português.

As “propriedades garantidas” pelos contratos se referem a dados, ou técnicos de capacidade, ou de qualidade dos produtos. As garantias dadas pelos fornecedores geralmente se estendem à vida útil de instalações, durabilidade do material, disponibilidade, propriedades do produto, entre outras. Estas garantias devem constar no contrato ou devem ser abertas à negociação. Durante o teste de operação, as propriedades da instalação, como a disponibilidade ou as qualidades de materiais dos diversos fluxos, serão avaliadas. A garantia sobre as funções dos equipamentos deve se estender para um prazo negociável, até depois de iniciar a operação regular. Em caso de celebrar contrato de manutenção, os prazos de garantia podem ser estendidos.

Além disso, a devida manutenção das instalações resulta em uma vida útil prolongada e em economias no consumo de energia. Os funcionários devem ser treinados pelo fornecedor e alertados sobre essas circunstâncias.

As plantas de biodigestão que produzem o biogás estão submetidas a medidas de seguranças especiais contra o risco de explosões, tornando indispensável a instalação de um detector automático de gás e um sistema de monitoramento da pressão. Caso ocorra um problema, o envio automático de alarmes para os celulares dos funcionários possibilita rápida ação. Os conhecimentos relacionados à manutenção do sistema computacional necessário devem ser ensinados aos funcionários em forma de prestação contínua de serviços, ou por meio de contratação de especialistas da área.

Dentro dessa linha, a proteção contra incêndios deve ser prevista. A acumulação de sujeiras secas, como a poeira gerada no sistema de TM, as incrustações nas esteiras e pedaços de plásticos leves caídos no chão representam uma carga de incêndio perigosa.

No processamento de resíduos úmidos formam-se camadas viscosas bem como, esconderijos para bichos nocivos, tornando necessária a limpeza do piso nos galpões e das outras superfícies, em intervalos regulares.

A produção do biogás é diretamente relacionada com as quantidades e os horários de alimentação. A instalação de um regime equilibrado de alimentação, também durante a noite e nos fins de semana, reflete expressivamente em um aumento da quantidade e da qualidade do biogás produzido. Neste contexto, o gerenciamento dos estoques também deve estar no foco da atenção.

O trabalho em rede, com outros gerentes, se constitui em uma ferramenta importante para a operação da planta. A troca de experiências e de informações sobre os resultados de medidas de otimização são essenciais para monitoramento e melhorias da própria planta. Sugere-se encontros regulares dos gerentes, além da criação de oportunidades para o treinamento mútuo dos funcionários e o estabelecimento de análises comparativas (benchmarkings).

6 BALANÇO CLIMÁTICO

O potencial do tratamento dos resíduos para a mudança climática é avaliado por meio de fatores específicos de emissão de CO2. Estes fatores são considerados no balanço como negativos (por exemplo, injeção de eletricidade, metais recuperados) ou positivos (emissões, importação de energia fóssil). O potencial de CO2 emitido pelo aproveitamento material, por exemplo, de metais, é comparado com aquele emitido pela produção dos respectivos materiais a partir de recursos naturais. No balanço climático, as emissões dos gases metano, gás hilariante e CO2 provenientes de carbono fóssil são consideradas. O balanço de CO2 é dividido em partes ambientalmente positivas e negativas.

A maior contribuição negativa no balanço climático de uma planta de TMB é atribuída ao aproveitamento energético de combustíveis alternativos, na geração de energia em plantas termelétricas específicas, seguida pela contribuição do aproveitamento material de metais e de madeira. O balanço de dados negativos e positivos resulta em um “bônus” climático, em média de -280 kg CO2-eq/Mg de resíduos (Figura 7). Devido ao aproveitamento material e à geração de energia a partir do biogás produzido, e com a inclusão da parte das emissões do aterro, a operação de uma planta de TMB apresenta-se como neutra em relação ao clima.

As plantas de TMB contribuem para a proteção do clima também através da produção do biogás, oriundo da decomposição dos resíduos em sistema fechado e controlado, ao contrário do que ocorre durante a disposição de resíduos em aterros, cuja decomposição descontrolada resulta em emissões de gases de efeito estufa, para a atmosfera. Em aterros geridos de acordo com os regulamentos europeus, as emissões de metano e de chorume são expressivamente reduzidas.

Figura 7 – Balanço de CO2 e contribuições líquidas dos respectivos componentes do processo
Fonte: Ketelsen (2013).

7 PERSPECTIVAS DO TRATAMENTO DE RESÍDUOS COM ETAPA DE BIODIGESTÃO, NO BRASIL

No Brasil, a coleta seletiva de RSU ainda não é muito difundida e 40% dos RSU são conduzidos para os aterros sem qualquer tratamento, dados de 2012 (Bvse, 2013). A separação de plásticos, metais ou de papel muitas vezes é feita manualmente, por catadores, ou nas estações de transbordo ou nos aterros. Não há separação de resíduos orgânicos, portanto, os RSU restantes, após retirada dos recicláveis, apresentam uma elevada carga orgânica, elevados teores de umidade e, resultando disso, um valor calorífico baixo.

O clima tropical e subtropical do Brasil é favorável para a decomposição anaeróbia da carga orgânica em aterros. As emissões não controladas de gás de aterro, nocivo para o clima, são altas. Portanto, o tratamento biológico por biodigestão anaeróbia em sistemas fechados e controlados, é de elevada importância para a proteção do clima. A biodigestão anaeróbia se constitui em uma alternativa interessante para o tratamento de resíduos, produzindo o biogás, um recurso energético valioso (“waste-to-energy”). A produção de energia em sistemas de cogeração exige uma tecnologia comparativamente simples e pode ser facilmente adaptada às condições dos respectivos locais.

Antes de serem conduzidos para o sistema de biodigestão, os componentes de elevado poder calorífico (papel, plásticos, madeira) devem ser extraídos dos resíduos. Para tanto, processos mecânicos simples e robustos, como, a trituração e o peneiramento, estão disponíveis. A indústria de cimento no Brasil apresenta altas taxas de crescimento e consequentemente, também uma alta demanda energética. A substituição de combustíveis fósseis por combustíveis alternativos deve ser objeto de análise econômica. Portanto, as sinergias com indústrias com alta demanda energética, como as de papel e de cimento, deveriam ser consideradas na escolha do local para a construção de uma planta de tratamento de resíduos, para manter o transporte dos combustíveis alternativos economicamente viável.

Nas partes do país com clima quente, a utilização do calor residual pode ser restrito a processos dentro da própria planta, por falta de demanda de calefação. Um passo importante e de grande utilidade pode ser a secagem de fluxos de resíduos.

Na Alemanha, a injeção de energia elétrica na rede é subvencionada por lei. Os gestores das redes são obrigados e receber a eletricidade produzida por fontes renováveis. No Brasil, essa obrigação precisa ser instaurada e, ou a injeção à rede deve ser resolvida junto aos gestores da rede. A viabilidade econômica do aproveitamento do biogás também deve ser avaliada com antecedência.

Recomenda-se que os contratantes municipais no Brasil busquem a consultoria de especialista independente da área, desde a fase de planejamento até, ao mínimo, a fase de início da operação, para que a garantia de qualidade seja suficiente para a futura operação da planta.

8 CONCLUSÕES

O tratamento de RSU no Brasil com a tecnologia TMB com etapa integrada de biodigestão anaeróbia apresenta uma contribuição importante para a proteção do clima e dos recursos naturais, e para o aumento da eficiência energética. Entre os objetivos do tratamento estão a separação dos recicláveis e sua comercialização (aproveitamento material) e a produção de energia a partir do biogás (aproveitamento energético).

Um conceito bem sucedido de waste-to-energy (recuperação energética) pode resultar na autossuficiência da planta TMB com energia elétrica e calor.

A tecnologia de TMB apresenta fácil adaptação às condições climáticas e a composição de resíduos específicos bem como, às condições dos respectivos locais. Recomenda-se a instalação de uma tecnologia comprovada e robusta, e a escolha de processos de produção simples, quando aplicável.

REFERÊNCIAS

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BVSE – Bundesverband Sekundäerrohstoffe und Entsorgung e.V. Entwicklung der brasilianischen Abfallwirtschaft ist zweigeteilt. Große Industrieunternehmen mit interessanten Projekten / Öffentlicher Sektor bleibt schwach / Von Florian Steinmeyer. 12.07.2013. Disponível em: <http://www.bvse.de/2/6659/Entwicklung_der_brasilianischen_ Abfallwirtschaft_ist_zweigeteilt>. Acesso em: 16 dez. 2014.

DepV (2009). Verordnung über Deponien und Langzeitlager (DepV – Deponieverordnung), Deponieverordnung vom 27. April 2009 BGBl. I S. 900, zuletzt geändert durch Artikel 5 Absatz 28 des Gesetzes vom 24. Februar 2012 BGBl. I S. 2012. Disponível em: <www.gesetze-im-internet.de/bundesrecht/depv_2009/gesamt.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2014.

FRICKE, Klaus. Vergärung von Bio- und Grünabfällen in Deutschland – Ausbau und Optimierungspotential. In: WIEMER, Klaus; KERN, Michael; RAUSSEN, Thomas. Bio- und Sekundärrohstoffverwertung IX, stofflich – energetisch, Fachtagungsband des 26. Kasseler Abfall- und Bioenergieforums 2014: Witzenhausen-Institut für Abfall, Umwelt und Energie GmbH, S. 151-182. Disponível em: <http://archiv.fbk-ev.de/vergaerung-von-bio-und-gruenabfaellen-in-deutschland-ausbau-und-optimierungspotential/>. Acesso em: 16 dez. 2014.

KETELSEN, Ketel. MBT’s Contribution to Climate Protection and Resource Conservation. In: KÜHLE-WEIDEMEIER, Matthias; BALHAR, Michael. Waste-to-resources 2013: mechanical biological waste treatment, material recovery facilities and Recycling. Proceedings. 11th – 13th of June 2013, S. 152-174. Disponível em: <http://goo.gl/35byN9>. Acesso em: 16 dez. 2014.

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ROBRA, Sabine; RAUSSEN, Thomas. Aproveitamento energético do biogás. 2º Congresso Técnico Brasil-Alemanha, Florianópolis, Santa Catarina, 28.05.2014. Disponível em: <http://www.congressobrasilalemanha.com.br/temas/default/arquivos/palestras/27/11-SABINE _ROBRA.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2014.

TU – Technische Universität Braunschweig. Steigerung der Energieeffizienz in der Verwertung biogener Reststoffe. Endbericht zu Förderprojekt 03KB022. Gefördert durch: Technische Universität Braunschweig, Bauhaus-Universität Weimar, Fraunhofer-Institut für Umwelt-, Sicherheits- und Energietechnik UMSICHT, 334 S. 2012. Disponível em: <https://www.energetische-biomassenutzung.de/fileadmin/user_upload/Steckbriefe/dokumente /03KB022_Abschlussbericht_web.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2014.

VIELHABER, Beate; MIDDENDORF, Roland. Experience in the Operation of Mechanical-Biological Waste Treatment Plants – Report by the Operator of a German MBT plant (Hannover). In: THOMÉ-KOZMIENSKY, Karl; PELLONI, Luciano. (Eds.). Waste Management, Volume 2. TK-Verlag, Neuruppin. S. 431-442, 2011.



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Como citar [ABNT NBR 6023:2002]:

VIELHABER, Beate. Valorização de Resíduos Sólidos Urbanos: conceito, experiências operacionais e otimização. In: FRICKE, Klaus; PEREIRA, Christiane; LEITE, Aguinaldo; BAGNATI, Marius. (Coords.). Gestão sustentável de resíduos sólidos urbanos: transferência de experiência entre a Alemanha e o Brasil. Braunschweig: Technische Universität Braunschweig, 2015. Disponível em: <https://goo.gl/BE246I>. Acesso em: .
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